Tuesday, November 9, 2010

História de Um Prego

Meu filho, corre
Vem sentar aqui comigo
Sou teu pai
Sou teu amigo
Eu quero te aconselhar
Vê na parede aquele prego, ali pregado
Ele sabe meu passado
Mas eu quero é te contar
Naquele prego eu já pendurei meu laço
O arreio do Picasso
Cavalo de estimação
E um par de esporas
Que custou muito dinheiro
E o chapéu de boiadeiro
Que eu lidava no sertão
Naquele prego pendurei muito cansaço
Muito suor do mormaço
E poeira do estradão
E quantas vezes minha mágoa
Eu pendurei
Sentimentos eu guardei
Pra não magoar teu coração
De agora em diante
Eu vou tirar dele meu laço
O arreio do Picasso
E as esporas eu vou guardar
Naquele prego pendure uma sacola
Cheia de livros da escola
E vontade de estudar
Quando amanhã você estiver aqui sentado
Lembrando o nosso passado
Olhando o prego pioneiro
Quero que seja um doutor bem afamado
E diga sempre em alto brado
Sou filho de um boiadeiro

João Pacífico

Monday, November 8, 2010

Endechas a Bárbara Escrava


Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo,
E, pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões (1524-1580)